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Foto 1 - Teoria da reprodução social e o horizonte socialista - Trabalho, poder e estratégia política - Aaron Jaffe

Teoria da reprodução social e o horizonte socialista - Trabalho, poder e estratégia política - Aaron Jaffe

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Sumário

Agradecimentos - 7

Prefácio - por Cinzia Arruzza - 9

Introdução: Por que teorizar a reprodução social? - 15

Capítulo 1 - Teorias da Reprodução Social como estruturas para análise empírica - 29

Uma história muito breve, 29

Produção, reprodução e a teoria da reprodução social, 41

Rumo a uma abordagem unitária, 54

Capítulo 2 - Força como potencialidade ou a dimensão crítica da força de trabalho - 59

Uma antropologia filosófica das forças de trabalho - a possibilidade da crítica social, 67

Força de trabalho e crítica social, 76

Capítulo 3 - A questão da imanência e a forma social da força de trabalho - 85

Que tipos de forças?, 91 A questão da ?deficiência? e as formas da capacidade, 95

Capítulo 4 - O Corpo e o Gênero na Teoria da Reprodução Social - 103

Silvia Federici: gênero em Calibã e a Bruxa, 106

Lise Vogel: gênero e opressão de gênero em Marxismo e a Opressão às Mulheres, 114

Capítulo 5 - Reproduzindo Interseções e a Reprodução Social - 123

Teoria Social Interseccional, 126

Recepções marxistas da Interseccionalidade, 134

O caso da TRS, 138

Capítulo 6 - O Horizonte Socialista de Emancipação - 155

Capítulo 7 - Teoria da Reprodução Social e Estratégia Política - 175

Posfácio - A teoria da reprodução social durante e após a pandemia - 201

Prefácio por Cinzia Arruzza

No final de março de 2020, o vice-governador do Texas, Dan Patrick, foi manchete ao afirmar na Fox News que ele e outros avós americanos estariam dispostos a se arriscar e a se sacrificar para salvar a economia por seus filhos e netos. Embora com isto pretendesse dar à oposição às medidas de conf inamento da Covid-19 ares heroicos, até mesmo patrióticos, esse comentário foi ampla - e corretamente - interpretado como o que realmente era: um cálculo econômico utilitário sobre a descartabilidade de vidas humanas ou, em termos mais prosaicos, mais uma demonstração de que o Partido Republicano e o governo Trump haviam se tornado mórbidos.

No momento em que escrevo este texto, os Estados Unidos são, de longe, o país líder mundial em termos de número de infecções por Covid-19 (uma média de 45 mil novos casos por dia, em um total de 5,4 milhões). A contagem de mortes, mais de 170 mil registradas pelo New York Times, um número que reconhecidamente subestima a contagem real de mortes, faz com que os comentários de Patrick pareçam ainda mais sinistros. Não é por acaso que as três nações que apresentam os piores resultados em termos de gestão da pandemia são os Estados Unidos, o Brasil (onde o número de mortes já ultrapassa 100 mil e a pandemia está afetando desproporcionalmente os povos indígenas) e a Índia: três países governados por uma extrema direita neoliberal autoritária. A pandemia de Covid-19, que já causou quase um milhão de mortes em todo o mundo, tornou mais visível a nossa interdependência social e econômica, tanto em nível nacional como transnacional. Não somos mônadas sociais, mas, sim, seres sociais entrelaçados uns aos outros, dentro e para além das fronteiras nacionais.

A pandemia também tornou mais transparente a contradição central entre a lógica do lucro e a lógica da vida, que caracteriza a organização distintivamente capitalista da reprodução social. Essa contradição se tornou evidente e não apenas na oposição de direita às medidas de confinamento em nome da manutenção da ?economia?.

Na medida em que a pandemia perturbou a normalidade capitalista, as cadeias transnacionais de valor e distribuição, bem como os padrões e o ritmo de produção, ela também trouxe à luz a centralidade das atividades reprodutivas sociais, muitas das quais rotuladas como ?trabalho essencial? durante a crise pandêmica. As vidas dos trabalhadores envolvidos na reprodução social foram e continuam a ser ininterruptamente desvalorizadas. Os trabalhadores que provaram ser os alicerces indispensáveis das nossas sociedades, de cujo trabalho todos dependemos para a reprodução das nossas vidas, são exatamente as mesmas pessoas cujas vidas muitas vezes discriminadas pelo gênero e pela raça estão sendo tratadas como descartáveis. Trabalhar em casa, com escolas fechadas e sem creches ou cuidados para idosos, tem causado um enorme impacto mental e físico, especialmente nas mulheres. A profunda crise financeira do ensino superior nos Estados Unidos, que levou muitos campi, espero que por pouco tempo, a reabrirem, mesmo na ausência de medidas básicas de contenção e rastreio, também torna visível a irracionalidade e a fragilidade da organização privada e neoliberal da educação.

Nesse contexto de normalidade capitalista suspensa, duas visões de mundo e práticas coletivas e individuais inconciliáveis passaram a se destacar. Estas podem ser mais bem avaliadas tomando-se como referência dois exemplos opostos de mobilização social e política que caracterizaram os primeiros seis meses de crise pandêmica nos Estados Unidos. De um lado, os protestos anti-lockdown de extrema direita, dos libertários2 e de supremacistas brancos, muitas vezes orquestrados politicamente e pequenos em número, manifestaram uma recusa direta de qualquer tipo de responsabilidade social e solidariedade, acusaram enfermeiras e enfermeiros de serem agentes da infecção e menosprezaram os riscos à saúde e à vida das pessoas, quer confiando em teorias da conspiração, quer apoiando abertamente o capacitismo e o darwinismo social em prol da ?liberdade? e da ?economia?.

De outro lado, tivemos a explosão daquilo que pode ser facilmente considerado uma das maiores revoltas sociais da história dos Estados Unidos, motivada pelo brutal assassinato de George Floyd em maio de 2020 pela polícia e durante a qual milhões de pessoas voluntariamente enfrentaram o risco de contágio ao sair às ruas para combater o racismo institucionalizado e defender o direito dos negros e pardos de respirar: um direito negado tanto pelo impacto racializado diferencial da pandemia quanto pelo racismo sistêmico da polícia.

De um lado, os ?combatentes pela liberdade? se recusando a usar máscaras e literalmente cuspindo na cara de outras pessoas que tentavam enfrentá-los; de outro, o surgimento e a proliferação de formas e grupos de ajuda mútua e reprodução social a partir dos de baixo: da distribuição de máscaras, álcool em gel e lanches durante os protestos, à organização de ajuda mútua para atender às necessidades básicas de pessoas com alto risco de morte por Covid-19 em cidades e bairros.

Esses dois exemplos falam de duas formas opostas de responder à ruptura da organização capitalista ?normal? de produção e reprodução social: o primeiro, ao se opor ao distanciamento social de qualquer tipo, exacerbou paradoxalmente o individualismo e o isolamento social como resposta à nova transparência da nossa interdependência social comum; o segundo implementou a solidariedade e formas alternativas de reprodução social para apoiar aqueles que foram deixados para trás pela crise. Tanto a força da solidariedade como a organização de formas alternativas de reprodução social cresceram junto com a resistência e a luta coletivas.

O que emergiu nesse confronto não foi apenas a oposição entre projetos políticos inconciliáveis: a divergência na política, nos comportamentos individuais e nas práticas coletivas refletiu também uma diferença fundamental em preocupações éticas implícitas ou explícitas, uma vez que as pessoas tiveram de perguntar a si mesmas e responder a questões sobre, por exemplo, quais vidas têm valor e o significado da responsabilidade social. Esse contexto social e político torna o livro de Aaron Jaffe oportuno e urgente.

Neste trabalho altamente original, Jaffe fornece à teoria da reprodução social uma discussão alicerçada nos seus desafios éticos e pressupostos implícitos. Essa discussão gira em torno da elaboração do que Jaffe chama de antropologia f ilosófica sócio-histórica, capaz de oferecer uma alternativa crítica ao atomismo e ao individualismo antropológicos que são o pressuposto filosófico fundamental por trás de grande parte da tradição liberal.

A antropologia filosófica de Jaffe se baseia no cuidadoso desvendamento da noção de ?força de trabalho?, que é central para a teoria da reprodução social, concentrando--se especialmente no significado de ?força?, entendida tanto como capacidade como potencialidade. Desse ponto de vista, o livro de Jaffe é um excelente complemento à publicação anterior da série Mapeando a Teoria da Reprodução Social, o livro Women and Work [Mulheres e Trabalho, ainda sem edição em português](2019), de Susan Ferguson, que se concentra nas conceituações feministas do trabalho feminino e no significado de ?trabalho? na categoria ?força de trabalho?.

O livro de Jaffe parte do pressuposto de que a teoria social é sempre fundamentada em visões antropológicas ontológicas ou filosóficas, que podem ou não ser explicitadas no interior da própria teoria. Além disso, esse fundamento é ainda mais inevitável no caso da teoria social crítica, uma vez que a crítica sempre acarreta implicitamente alguns padrões éticos, avaliativos ou normativos de um tipo ou de outro. Assim, se a teoria da reprodução social é uma teoria crítica, a sua crítica ao capitalismo deve, de alguma forma, basear-se em posições sobre que tipo de seres nós somos e o que conduz a uma vida plena (ou melhor, a ?vidas plenas?, no plural).

Essas visões não precisam ser a-históricas ou ontológicas em um sentido robusto, não precisam ser baseadas em noções trans-históricas e duvidosas de ?natureza humana?, e certamente não precisam abstrair diferenças relevantes entre os seres humanos e seus contextos sociais, históricos e culturais específicos. E, de fato, Jaffe insiste essencialmente que a antropologia filosófica que propõe é sócio-histórica: somos o tipo de seres que nos tornamos através das nossas práticas sociais e históricas. Neste quadro, o livro de Jaffe aborda duas questões-chave: primeiro, por que o capitalismo prejudica a nossa personalidade viva e, por conseguinte, quais são os fundamentos da nossa crítica anticapitalista; e, segundo, o que conduz ao florescimento das nossas capacidades individuais e à realização das nossas potencialidades de tal forma que as personalidades vivas dos outros também sejam aprimoradas, com base no reconhecimento de que somos seres socialmente interdependentes e não mônadas sociais.

A partir dessa abordagem, Jaffe consegue desenvolver uma noção de ?capacidades? que pode fundamentar críticas ao capacitismo e ao darwinismo social por meio de um exame das violências específicas causadas pelo racismo, pelo capacitismo, pela transfobia e pela misoginia enraizados na organização capitalista da reprodução social. Por exemplo, a visão de Jaffe sobre deficiência é que a própria noção de deficiência emerge de um processo social e histórico de avaliação de quais ?capacidades? para trabalhar ou quais capacidades vivas valem a pena ser compradas ou mesmo desenvolvidas, processos fortemente determinados e limitados pelas necessidades capitalistas.

O livro de Jaffe é, em última análise, um livro sobre a liberdade. Jaffe é, nesse sentido, um leitor muito atento de Marx, pois - contrariamente a certas suposições erradas e generalizadas - a preocupação central e o problema orientador de Marx ao longo da sua vida e obra foi, de fato, a liberdade, e não a igualdade. Além disso, a pandemia tornou mais visível a necessidade de desenvolver uma noção de liberdade simultaneamente social e individual, baseada no reconhecimento das relações sociais que nos unem.

A teoria da reprodução social está bem localizada para retomar e continuar essa linha de pensamento de Marx, pois nos permite articular uma crítica não apenas dos padrões de redistribuição e desigualdade, mas de toda uma forma social de criação da vida que torna impossível a liberdade genuína. Também nos permite desenvolver uma visão não reducionista e economicista da classe como um agente central na luta pela liberdade, uma visão que - como sublinha Jaffe - toma formas de experiência vivida, alteradas e reprimidas por vários tipos de opressão, como características constitutivas da classe, e não como complementos externos a uma noção abstrata e econômica de classe.

Embora essas ideias estejam frequentemente implícitas nas análises e elaborações da reprodução social, Jaffe torna-as explícitas ao articular uma teoria filosófica capaz de explicar por que as formas de vida que o capitalismo desenvolve são exploratórias, alienantes e opressoras. Assim, Jaffe também reformula o que chama de horizonte socialista como um horizonte de liberdade: ?Invocar o horizonte socialista de emancipação significa desenvolver e lutar pela liberdade das nossas personalidades vividas e corporificadas. É a emancipação das nossas forças de trabalho da experiência desnecessária das suas restrições [?] O objetivo é a liberdade genuína para as personalidades vivas. Isso significa a emancipação da personalidade viva e das capacidades de satisfação das necessidades de cada pessoa? (p. 171).

A pandemia trouxe para o primeiro plano a dimensão ética e avaliativa da luta política, tornando mais evidentes quais são os desafios existenciais da luta. A original contribuição de Jaffe para a teoria da reprodução social nos oferece importantes ferramentas teóricas e filosóficas que nos tornam aptos a travar essa luta e, quem sabe, vencer.