Descrição do produto
'Estas são todas histórias verdadeiras — histórias que o povo andou me contando, aqui e ali, nestas viagens que eu, errante, ando fazendo desde que saí do Brasil, em 1971. Alguns personagens eu conheço, eu vi; outros, só de ouvir dizer. Nalguns lugares estive — descrevo como repórter. Outros me descreveram — escrevo do mesmo jeito. Estas são todas histórias dos povos de Nuestra América. Nuestra América — aquela que se opõe à AmériKa com K! Nuestros Americanos — aqueles que sofrem, pelejam e que um dia se libertarão!'
AUGUSTO BOAL
Buenos Aires, Março de 1976
Como muitas das maravilhosas coisas que Augusto Boal fez na sua vida, as Crônicas de Nuestra América nasceram do seu espírito lúdico.
O jogo, nesse caso, consistia em ler La Razón, um jornal mais ou menos ruim que se editava em Buenos Aires, extrair as notas que ele achava mais absurdas (porém eram terrivelmente verdadeiras) e reescrevê-las em diferentes tons. Claro que os textos resultantes tinham uma inegável marca histriônica: diálogos, direção de cenas, personagens. E um público, pois, concluídos os textos, Boal reunia a família e lia em voz alta o material criado. A resposta sempre foi favorável, já que como Cecilia Boal lembra “a gente morria de rir ao escutar ele porque as histórias eram muito boas”. O ambiente festivo desse universo de textos contrastava violentamente com os tempos que então se viviam na Argentina, onde já tinha começado o 9o Processo de Reorganização Nacional, eufemismo para a ditadura militar encabeçada naqueles anos por Jorge Videla, Emilio Massera e Orlando Agosti.
A família Boal tinha empreendido seu exílio obrigatório para Argentina em 1971, depois da brutal persecução e tortura que Augusto Boal viveu no Brasil, durante a experiência teatral e política no Teatro de Arena em São Paulo.
A primeira fase do exílio argentino de Boal tinha sido muito fecunda: durante o mandato de Héctor José Cámpora (maio a julho de 1973), seguido pelo de Raúl Alberto Lastiri (julho a outubro de 1973), e depois pelo último mandato de Juan Domingo Perón e María Estela Martínez de Perón (antes do golpe de Estado que situou Jorge Videla no poder em 1976)2 , Boal teve uma intensa atividade política e criativa. Foram esses os anos dos grupos de teatro na rua, no metrô, a montagem das peças de teatro “Torquemada”, “El gran acuerdo internacional del Tío Patilludo” (O Grande Acordo Internacional do Tio Patinhas) e “Revolução na América do Sul”, entre muitas outras intervenções cênicas e colaborações realizadas com outros dramaturgos como Carlos Gandolfo e o grupo Nuevo Drama . Porém, a partir de 1976, por causa do recrudescimento das políticas repressivas e persecutórias de Videla, as possibilidades de trabalho de Boal foram severamente afetadas.
Nesse contexto de confinamento posterior, Boal escreveu estas crônicas. Crônicas de trânsito, histórias lidas e transformadas, histórias escutadas nas suas viagens pela América Latina. (...)
Extraído do prefácio de Valentina Quaresma Rodrígues desta edição